O proprietário de terras escocês Cosmo Edmund Duff-Gordon tinha 49 anos quando, direto do porto de Cherbourg, na França, embarcou no RMS Titanic rumo a Nova York. Era 10 de abril de 1912, um dia frio de primavera, os termômetros marcavam 8°c na região da costa francesa, mas de grande efervescência social na Europa e, principalmente, na Inglaterra, que usufruía dos louros da revolução industrial ao final do século 19 e vivia a chamada Belle Époque.

Cosmo, nascido em 22 de julho de 1862, pertencia à nobreza britânica – aos 34 anos, se tornou baronete da região Halkin, condado de Aberdeenshire, na Escócia – e, na infância, havia estudado na Eton – escola fundada em 1440 pelo rei Henrique VI e berço educacional de britânicos ricos e poderosos, com uma lista de ex-alunos que hoje inclui, entre outros, dezenove primeiros-ministros e os príncipes William e Harry.

Com 1,83 e 80 kg, Cosmo era alto, atlético e ostentava um impecável bigode, no estilo do surrealista Salvador Dalí. Era um de dezenas de magnatas que ocupavam a primeira classe do Titanic em sua fatídica viagem inaugural. Também embarcaram no navio sua mulher, Lucy Duff-Gordon, 48 anos, uma das maiores estilistas do começo do século 20, e a secretária dela, Laura Mabel Francatelli, 31 anos.

A Sr. Duff Gordon
A estilista Lucy Duff-Gordon era uma das maiores empresárias do ramo da moda na Europa no começo do século 20. Empregava mais de mil funcionários, suas roupas eram cultuadas pelos ricos e era, provavelmente, a responsável maior pela fortuna do casal.

Dinheiro de Lucy que não vinha de herança. A Sra. Duff-Gordon, ao final do século 19, saíra da pobreza para se tornar uma das primeiras self-made woman da Inglaterra.

Àquela altura de sua vida e carreira, a estilista costumava viajar sozinha para as capitais da moda – Londres, Paris e Nova York – para fechar negócios. O casal Duff-Gordon vivia um relacionamento frio, mas pacífico.

Na primavera de 1912, Lucy trabalhava em Paris no lançamento de uma nova sucursal de sua marca, Lucile, quando precisou comparecer a uma reunião em Nova York. Naquele momento a maneira mais rápida para cruzar o Atlântico era (ou parecia ser) embarcar no Titanic.

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Lucy Duff-Gordon avalia caimento de suas roupas em clientes

 

A princípio, Lucy refutou a ideia de subir a bordo de um navio não testado, mas decidiu viajar quando Cosmo se ofereceu para acompanhá-la. Uma improvável viagem de casal naquele momento em que os dois viviam quase que uma união de aparências.

Fugindo da badalação da viagem inaugural do navio, que – cheio de milionários se tornara o lugar para ver e ser visto –, Cosmo e Lucy embarcaram com nomes falsos. Mr. and Mrs. Morgan queriam distância dos holofotes.

“Tudo a bordo daquele amável navio me deixava segura”
No primeiro dia no mar, porém, o medo de Lucy foi suavizado pela confiabilidade e a estrutura aparentemente impecável do navio. “Tudo a bordo daquele amável navio me deixava segura, do gentil capitão (Edward John Smith) à querida camareira irlandesa, que costumava contar das dezenas de viagens que fizera atravessando o Atlântico”, disse Lucy, após a viagem, em relato publicado no livro Titanic: a Night Remembered, lançado em 2012.

Tudo parecia seguro, mas o Titanic afundaria no mar do Atlântico Norte, em 14 de abril, quatro dias depois de deixar a Europa, matando cerca de 1500 pessoas e destruindo a reputação de outros tantos que acabariam responsabilizados pela tragédia.

Personagens como o engenheiro naval irlandês Thomas Andrews, construtor do RMS Titanic e dos outros dois transatlânticos, RMS OlympicHMHS Britannic, que compunham a série Class Olympic –, e o capitão inglês Smith, que conduziu de forma imprudente o navio “inafundável” rumo ao fundo do oceano, seriam incluídos tanto na lista de culpados como de vítimas, já que, além de responsáveis, também morreram no naufrágio.

Outros, porém, escapariam da morte nas gélidas água do Atlântico, mas não do julgamento posterior por provocarem a perda de vidas no Titanic. Foi o caso de Cosmo e Lucy Duff-Gordon, que não projetaram e nem conduziram o transatlântico, mas viram, contudo, um prestígio cultivado ao longo de anos naufragar junto com as toneladas de ferro.

Herói olímpico
Esportista amador, Cosmo era praticante de esgrima e, seis anos antes do Titanic, foi destaque olímpico da Grã-Bretanha, brilhando como esgrimista.

Aos 43 anos, representou o Reino Unido nos Jogos Olímpicos Intercalados de Atenas de 1906 – uma espécie de edição especial (mas não oficial) da Olímpiada, realizada em comemoração aos dez anos dos primeiros Jogos, também em Atenas, 1896.

Olympic Duelists
Cosmo nos tempos em que foi referência do esporte britânico

Cosmo Duff-Gordon posa para foto após uma tarde de prática da esgrima

Oficial ou não, a “quarta” Olimpíada cumpriu com os propósitos fundamentais dos Jogos: congraçar povos do mundo inteiro em torno do esporte e celebrar os atletas, em especial os medalhistas, como heróis. Cosmo foi um herói olímpico. Um dos primeiros.

Em 1906, conquistou uma medalha de prata na esgrima para seu país, atingindo o ápice de uma longa carreira amadora. Um feito que lhe renderia inclusive o título de cavaleiro da coroa britânica, ou simplesmente Sir, concedido pelo rei Edward.

Aquela seria a última Olimpíada como atleta de Cosmo. Dois anos depois, integraria a comissão técnica da equipe de esgrima nos Jogos de Londres. Parecia ser o momento que definiria a memória e o legado daquele distinto senhor na sociedade britânica. Não seria.

Um último jantar
A noite de domingo, 14 de abril – quarto dia da viagem do RMS Titanic –, começara tranquila. Casados há 12 anos, mas há tempos sem usufruírem da intimidade típica de um casal normal, Lucy e Cosmo dormiam em quartos separados e, antes de dirigirem-se a seus aposentos, jantaram com Joseph Bruce Ismay, dono da White Star Line, maior companhia de transporte marítimo do Reino Unido e construtora do Titanic.

“Havia um grande vaso de narcisos fluorescentes. Todos estavam muito alegres e as pessoas à mesa ao lado apostavam qual seria o tempo total da viagem (que prometia ser recorde)”, recordou-se Lucy, sobre o última refeição no Titanic, em depoimento também publicado no livro Titanic: a Night Remembered.

Passado o jantar, Cosmo dormia sozinho na cabine A-16 da primeira classe, que lhe custara o valor de 39 libras e 12 centavos, equivalente 3.668 libras em valores atualizados, a alguns metros, das cabines A-20 e A-36, ocupadas, respectivamente, por Lucy e a Srta. Francatelli.

Às 23h30, ele foi acordado por Lucy, que tivera o sono interrompido após sentir que o navio sofrera uma colisão. Alarmada, mesmo sem saber ainda do que se tratava, procurou a companhia do marido.

“Assim que acordei, fui ao deck, e lá eu vi dois ou três homens, que me disseram que o navio colidira com um iceberg, mas que tudo ficaria bem”, diria Cosmo Duff-Gordon, em depoimento prestado pouco mais de um mês depois do desastre do Titanic, em maio de 1912.

Em carta datada de 18 abril de 1914, três dias após o Titanic afundar, Srta. Francatelli conta a uma amiga identificada como Marion, em detalhes, os primeiros momentos após a colisão:

“Eu me preparava para dormir. Madame (Lucy), e Sir Cosmo estavam no deck superior e eu no deck E, ao fundo do salão dos passageiros quando, de repente, eu senti um calafrio. Então dois cavalheiros apareceram e disseram que havíamos colididos com um iceberg, mas que estávamos bem.

Fiquei quieta por 20 minutos, até que água começou a invadir os corredores, enquanto as pessoas corriam pelas escadas. Oh Marion, que momento terrível. Senti que afundávamos como mármore. Sir Cosmo, então, me levou ao deck superior”

Dividido em dezesseis compartimentos estanques, o casco do Titanic havia sido projetado para resistir a uma colisão frontal violenta, porque, mesmo que 3 ou 4 dos compartimentos estanques fossem inundados, o navio seguiria sobre o mar.

A manobra feita para tentar evitar a colisão, porém, transformou o que seria um choque frontal em um choque lateral que avariou quase todo o casco do navio, inundando dezenas de compartimentos do Titanic e, rapidamente, gerando pânico na maioria dos 2435 tripulantes do navio.

Vida e morte no Atlântico Norte
Apesar do aviso inicial de que as coisas ficariam bem, Cosmo não demorou para entender o que se passava e dirigir-se às cabinas para buscar sua mulher.

Apesar da urgência, Lucy, segundo relatos dela mesma, dedicaria ainda alguns minutos para se vestir adequadamente antes que os três, Cosmo, Lucy e a Srta. Francatelli, rumassem para o deck do Titanic, onde, 50 minutos após a colisão, começaria a evacuação do navio.

O preenchimento dos botes salva-vidas se iniciou por volta da 0h20min. O segundo oficial Charles Lightoller dirigiu-se ao capitão Smith e sugeriu que a evacuação começasse com mulheres e crianças. O capitão Smith, ainda em estado de paralisia, teria assentido e dito: ”‘coloque mulheres e crianças e abaixem-nos’”.

Entretanto, Lightoller e William McMaster Murdoch, o primeiro oficial, interpretaram as ordens de maneira diferente: um entendera que eram mulheres e crianças primeiro, enquanto o outro oficial presumira que eram mulheres e crianças apenas.

Segundo depoimento de Cosmo após o naufrágio, ele, Lucy e Srta. Francatelli permaneceriam por alguns minutos à espera de um bote que aceitasse os três.

“Elas ficaram ao meu lado. Elas se recusaram a embarcar. Minha mulher se recusou a me deixar embarcar, e consequentemente, nós ficamos no deck, enquanto os botes eram baixados”, disse Cosmo, ao explicar porque Lucy não embarcara nos primeiros botes, porém, sem deixar claro por que não liberara a secretária.

Lucy, Cosmo e Srta. Francatelli esperaram alguns minutos até embarcar. Após três botes deixarem o convés rumo ao oceano, os três, finalmente, foram salvos do naufrágio por outra embarcação: o bote número 1.

A partir desse momento, o resgate com vida de Cosmo Edmund Duff-Gordon começava a entrar na história como uma grande controvérsia. Apesar das ordem expressas de embarcar prioritariamente mulheres e crianças nos botes salva-vidas, Cosmos conseguiu uma vaga nos disputadíssimos barcos.

Dias após o naufrágio, Lucy deu sua versão do acontecido e disse que, após esperar por cerca de 20 minutos, o casal, junto à Srta. Francatelli, adentrou o bote, porque – apesar da multidão de tripulantes em busca de salvação – não havia crianças e mulheres para completar a lotação do barco.  Confira trecho do depoimento da Sra. Duff-Gordon, concedido em 20 de maio de 1912, um mês e meio depois do naufrágio:

“Após três botes zarparem, meu marido, Srta. Francatelli e eu ficamos no deck. Não havia mais ninguém lá e eu percebi que nós afundaríamos junto com o navio. Então, de repente, vimos, a nossa frente, esse bote (diz apontando para o modelo do bote) – com remadores e um oficial no comando da situação. E eu disse para meu marido: não devemos fazer algo? Ao que ele respondeu: “devemos esperar as ordens”.

Minutos depois, ele interpelou o oficial e fomos autorizados a entrar no bote. Então, um oficial me colocou dentro e acho que também colocaram a Srta. Francatelli. Isso porque era muito alto. Não era possível entrar sozinha”.

Os três entraram no Bote 1, iniciando o mais controverso episódio envolvendo o naufrágio do Titanic. Do barco, a centenas de metros, viram o maior navio do mundo afundar no Atlântico Norte.

“Pude ver seu casco negro afundando, como um hotel gigante com luzes brilhando em cada janela. Enquanto olhava, fileiras das luzes se extinguiam. Depois de instantes, que pareceram horas de sofrimento, ouvi um grito agudo de meu marido: “Meu deus, está afundando”, disse, Lucy. “Mesmo a distância que estávamos, ouvíamos horrorosos berros de agonia”.

Uma agonia imortalizada em histórias trágicas como o suposto suicídio, com um tiro na cabeça, do oficial, que minutos antes autorizara a entrada no Bote 1 dos Duff-Gordon e de sua secretária. Caso retratado pelo filme Titanic (1998) e registrado muito antes disso pela carta da Srta. Francatelli a sua, até hoje, desconhecida amiga Marion.

“O bravo oficial nos ordenou que nós afastássemos 200 jardas do navio. Em seguida, o pobre rapaz atirou na própria cabeça”.

Terror, morte e… aventura
Diante do momento dramático, Lucy, apesar de impressionada, não sucumbiu a suas emoções. Manteve-se calma, sem derramar lágrimas, e de acordo com depoimento registrado em uma carta, datada de 19 de abril, a Esme, sua filha do primeiro casamento, a Sra. Duff Gordon chega ao ponto de admitir certa excitação e entusiasmo com a experiência de presenciar o naufrágio do maior navio do mundo.

“Bem, meus amados”, escreve para seus familiares. “Vocês sabem o quanto eu sempre busco experiências, aventuras e sensações fortes. Bem, dessa vez eu consegui tudo isso sem sombra de dúvidas”.

Sinfonia de gritos
O fim do Titanic criou uma sinfonia de gritos desesperados dos pobres que não encontraram botes salva-vidas e que, em vão, tentavam se salvar nas águas do Atlântico. Lucy e Cosmo, como sugerem os depoimentos, testemunharam esse horror, mas nada fizeram (ou não puderam fazer) para diminuir o número de mortos.

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Quadro retrata últimos momentos do RMS Titanic

Enquanto, no mar milhares se debatiam, no Bote 1, imperava o silêncio de 12 sobreviventes que esperaram por horas pela salvação. Isso mesmo, 12 sobreviventes, dos 20 barcos salva-vidas do Titanic. Seriam necessários pelo menos 56 para salvar todos os 2224 passageiros, e nenhum foi ao mar com menos embarcados que o Bote 1.

Doze pessoas: um remador, cinco bombeiros e seis passageiros apenas, embora o barco tivesse capacidade para 40 tripulantes. Por que não se embarcou mais pessoas no bote e por que, caso não houvesse pessoas no navio dispostas a embarcar no momento, não se retornou e procurou por sobreviventes em busca de salvação? Eis os questionamentos que todos fizeram tão logo o naufrágio se consumou.

Julgamento e opinião pública
A controvérsia rapidamente ganhou as páginas da imprensa internacional, gerando inclusive um inquérito nacional, do qual foram extraídos parte dos depoimentos desta reportagem.

As suspeitas sobre o casal Duff-Gordon eram duras. Não apenas eles haviam escapado em um bote com apenas 12 integrantes, como foram acusados por integrantes do Bote 1 de oferecer cinco libras (cerca de R$ 2.500 em valores de hoje) como suborno a cada um dos os condutores para que não retornassem para resgatar outras vítimas e, uma vez em terra, não abrissem a boca. O Bote 1, desde então, tornou-se célebre e mundialmente conhecido como Money Boat, ou “bote do dinheiro”.

“Escândalo Duff-Gordon”, dizia uma das manchetes dos jornais nos dias seguintes ao naufrágio. “Sir Cosmo Gordon a salvo, enquanto mulheres afundaram junto ao Titanic”, prosseguia outro veículo. “Leia sobre os covardes do Titanic”, bradava o menino vendedor de jornais na época.

O inquérito para se apurar eventuais crimes e apontar responsáveis pelo que aconteceu no Titanic, se iniciou em 20 de maio e foi comandado pelo jurista John Bigham, 1.º Visconde Mersey. Cosmo e Lucy foram os únicos passageiros a prestarem depoimento.

O caso, cada vez mais popular, e os depoimentos foram acompanhados in loco por uma multidão, tal qual um grande casamento ou um importante evento esportivo. “Era difícil de acreditar que não se tratava de um agradável festa”, escreveria Lucy, sobre as sessões de julgamento.

Entre os presentes ao depoimento estavam membros da família real alemã, o embaixador da Rússia, e Margot Asquith, esposa do então primeiro ministro inglês, Herbert Henry Asquith. Assim como aconteceria anos mais tarde, nos Estados Unidos, com o julgamento de outro esportista, O.J. Simpson, em 1912, o inquérito do Titanic mobilizava um país.

Com Lucy a seu lado, Cosmo prestou depoimento e negou que tivesse havido qualquer conversa no bote enquanto ainda se ouviam os gritos das pessoas lutando pela vida no mar do Atlântico Norte e que, apenas depois, sob um “silêncio sepulcral”, o bote, finalmente, se afastou da região em que milhares acabavam de perder a vida.

W.D Harbison, advogado dos passageiros da 3ª classe, questionou Cosmo sobre o suposto suborno. “Não seria aquele um momento inapropriado para oferecer cinco dólares para os remadores?”

“Não, não acho que fosse. Acho o momento natural. Havia silêncio. Eles haviam parado de remar. Achei que fosse a coisa certa a se fazer”, respondeu Cosmo.

“Não seria mais de acordo com as tradições dos homens do mar voltar e oferecer ajuda aos outros que se afogavam?”, questionou novamente Harbison para, instantes após, ouvir de Cosmo a perturbadora resposta: “Não considerei essa possibilidade. Na verdade, isso nunca passou pela minha cabeça”.

Apesar de admitir que nunca havia lhe passado pela cabeça ajudar os milhares que se afogavam e não obstante a repercussão massivamente negativa do caso junto à opinião pública, Cosmo e Lucy foram inocentados da acusação de oferecer propina aos barqueiros para que esses negassem ajuda às vítimas do Titanic.

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Jornal retrata sobreviventes do Titanic; entre eles o casal Duff-Gordon

Versão de Cosmo e Lucy
O casal Duff-Gordon sustentaria não apenas no tribunal, como por toda a vida, a versão de que não haviam mais pessoas no bote porque não havia mais que 12 passageiros para embarcarem no momento em que o Bote 1 deixou o convés do Titanic rumo ao oceano.

Sobre as cinco libras, o argumento dos Duff-Gordon foi de que, Cosmo, em gratidão aos homens que salvaram a vida dele, Lucy e Srta. Francatelli, resolveu recompensar cada um dos tripulantes do bote, com 5 libras. Uma oferta posteriormente interpretada por um dos comandantes do barco como suborno.

Na carta escrita a sua filha, Esme, Lucy detalha sua versão dos fatos. “No barco, a tripulação disse que havia perdido não apenas todas as suas posses, mas também seus empregos. Cosmo, então, ofereceu 5 libras como restituição”.

“Meu tio avô estava muito agradecido por ter sobrevivido. Ao ser resgatado pelo Carpathia (navio que levou os sobreviventes à Nova York), ele assinou um cheque de 5 libras para cada um dos sete tripulantes para recompensá-los pelo que eles perderam junto com o Titanic”, declarou ao jornal The Independent, em 2012, no aniversário de 100 anos do naufrágio, Andrew Duff Gordon, sobrinho neto de Cosmo.

Absolvidos e condenados
Verdadeira ou não a versão da defesa, Cosmo e Lucy foram inocentados pela justiça, mas não pela sociedade. O até então honrado magnata e a grande empresária da moda conviveriam por anos a fio com a sombra do Titanic.

Em carta escrita a seus irmãos, duas mulheres e dois homens, Cosmo descreve o momento que vivia dias depois do naufrágio. “Parece haver um ranço contra qualquer homem britânico que tenha escapado vivo do Titanic”, comenta, ressentido. “Todo o prazer de ter escapado com vida foi estragado pelas acusações as quais os jornais tem feito a mim desde o começo”.

Cosmo e Lucy seriam bombardeados pela mídia e pela opinião pública. Com o tempo, a intensidade dos ataques diminuiria, mas não a ponto de cessarem. Os dois até hoje, mais de 100 anos depois, são vistos como vilões ou, no mínimo, anti-heróis.

Tendo que lidar frequentemente com a suspeição alheia, Cosmo viveu seus dias após o Titanic parte na Escócia e parte em Londres, na rua Alfred Place, bairro Alfred Palace. O magnata, que já não vivia um casamento apaixonado em 1912, separou-se fisicamente de Lucy, em 1915.

Apesar da distância, os dois não se divorciaram legalmente e permaneceram amigos até 20 de abril de 1931, quando, aos 68 anos, Cosmo Duff-Gordon morreu, alegadamente de causas naturais.

Lutando contra um câncer de mama, Lucy morreu quatro anos depois, em 1935, vitimada por uma crise de pneumonia, coincidentemente também no dia 20 de abril.

Dezenove e 23 anos depois de escaparem da morte no Titanic, Lucy e Cosmo chegaram ao final de suas vidas. Celebridades na época, acabaram, por força do destino, se transformando em figuras “imortais”.

Que ironia, tudo o que Cosmo e Lucy queriam, ao embarcarem no navio como Mr. and Mrs. Morgan, era passarem despercebidos.